Artigos: Mídia e globalização | |||
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O olhar do teólogo Mídia e globalização J. B. Libanio Jornal de Opinião setembro de 2001 A seta do desenvolvimento aponta para a tecnologia da informação e as biociências. A mídia tende a tornar-se cada vez mais poderosa e sofisticada. Nem a fantasia de Júlio Verne não daria conta de imaginar o que nos espera no mundo das ciências da informação. Os humanos irriquietos nomadizaram-se não simplesmente em busca de alimento, mas muito mais por uma sede globalizante própria de seu espírito. O animal restringe-se a seu hábitat natural. Os seres humanos ultrapassam os limites da natureza, criando suas cidades, suas civilizações com pretensões de extensão. Até recentemente a globalização se dava por sucessão de lugares. O mundo econômico estimulou-a ao máximo. As transnacionais chegavam a todos os países em busca de mercado para maximizar seus lucros. Riscava-se o mapa mundi com os traços do comércio. As últimas décadas assistiram a fenômeno novo. A globalização simultânea e instantânea. Não se necessita sair de um lugar para estar em outro. Aquilo que a metafísica proibia absolutamente no mundo físico, o desenvolvimento tecnológico da informática possibilita-o de maneira virtual. É-nos dado estar simultaneamente em vários lugar. É a globalização das emissões televisivas, da internet. Fenômeno extremamente ambíguo. Ao mesmo tempo, os fiéis do mundo inteiro acompanham a missa de Natal no Vaticano numa globalização da fé e, ao mesmo tempo, presenciamos ao vivo a terrível cena do segundo avião terrorista chocar-se em violenta bola de fogo contra a Torre do World Trade Center de Nova York e o ruir fragoroso daquela montanha de ferro e concreto. Cenas de paz e de guerra, cenas de fé e de perversidade, cenas de grandiosidade espiritual e de mesquinhez humana. Tudo é oferecido a todos. Não há limite de objeto nem de sujeito. É a globalização sem mais. Nasce assim outra cultura. Ainda é muito cedo para dar-nos conta de suas implicações. Sabemos que ela transforma o hábito de todos. O espetáculo faz parte essencial dessa cultura mediática globalizada. Ele dicotomiza a sociedade em duas partes bem distintas. Os atores - trágicos ou comediantes - com os seus figurantes e o espectador passivo. Cada vez menos atores e mais espectadores. Ainda por muito tempo estaremos sob o impacto do ataque terrorista aos EE. UU. Aí apareceu de maneira exemplar a natureza da sociedade mediaticamente globalizada. O fato de o segundo avião ter sido anunciado tragicamente pelo primeiro possibilitou que as câmeras já estivessem a posto e filmassem o segundo atentado. Assim todo o mundo pôde assistir a tal espectáculo trágico. Isto faz parte da encenação bélica. Os americanos já tinham feito o mesmo na Guerra do Golfo. Lá foram os atores. Aqui os espectadores-vítimas inermes. Lá orquestraram o show. Aqui sofreram a humilhação diante de todo o mundo de verem seus ícones sagrados - Pentágono e as Torres gêmeas - serem profanados por pequeno grupo de camicases. Toca a nós seres humanos dar conteúdo à globalização mediática. Ela está ai para tudo e para todos. Só nosso bom senso, nossa ética impõem o único limite possível. Do lado da tecnologia, tudo circula. Do lado da ética, deveria transmitir-se somente o que nos humaniza. É hora de construir uma ética humanizadora da mídia. |